As minhas tranças

A mana Pretika que faz minhas tranças
Saio do meu ponto leste
Pro ponto leste Cidade Líder
Lá na quebrada dela
As minhas tranças a gente tece
Trançando meu cabelo
Conversando, dançando
Altas ideias, vários conselhos
A gente trança amizade
A preta trança na minha cabeça
A estética da nossa identidade
Pretas, latinoamericana
Em cada trança feita
Mantem-se viva na raiz dos meus cabelos
A nossa raiz africana
Cani calon é mais que estilo, beleza preta
Na cabeça trançou consciência
Pra todo dia autoafirmar a nossa resistência
A preta amiga, demora mesmo
Trança é mó trabalho, demora o dia todo
Gasto o tempo que for preciso
Pra manter viva a cultura do meu povo
E levou mó tempo tentando nos matar
Nos escravizando, criminalizando, nosso cabelo alisando
Tentaram nos matar e matar nossa história
Já era sinhô, recuperei minha memória
Alisante nunca mais, sinhor
Trancei minha cultura,
Minha beleza existe e tá aqui
Por dentro e por fora
Na minha cabeça impera negra consciência
Estética-política, beleza política
Meu cabelo é resistência
Trançando nele nosso poder
Escravidão, racismo, etnocídio, genocídio…
Ainda existe, mas vamo combater
Porque além de trança no cabelo
Eu tranço luta todo dia
Pro meu povo nunca mais sofrer
(MC Cacau Rocha)

 

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23 de setembro, visibilidade bissexual: Vai ter funkeira bi sim e ainda tá pouco!

Tô fazendo esse post por dois motivos:  pela blogagem coletiva bissexual do bi-sides para comemorar o 23 de setembro, dia internacional da visibilidade bissexual e por eu tá num momento da minha vida que eu to mergulhando de cabeça no movimento funk…

E acho que hoje, é bom lembrar pra geral que eu e muita gente da comunidade bissexual fica muito feliz em saber que no funk tem Tati Zaqui. Pra muitas pessoas isso pode não significar nada, mas pra mim, mulher bissexual, significa muita coisa.

A gente sabe o quanto esse sistema é machista e bifóbico. No funk não é diferente. E a Tati se assumiu, ela foi com cara e coragem falando da sexualidade dela e encorajou uma porrada de meninas funkeiras a exercer sua bissexualidade. Meninas que antes não tinham coragem de falar agora falam: eu gosto de meninas também e mais, coragem pra ficar com meninas também.

tati zqui

Mas ainda tá pouco. Meu sonho mesmo é o dia que vai ter funkeiro viado, lésbica, trans e travesti sem sofrer preconceito, podendo cantar suas músicas e exercer sua sexualidade no espaços, principalmente nos espaços do funk. No baile, no rolê, no fluxo.  Falando nisso, salve salve, Transanita , Mulher Feijoada, MC Xuxu. Ceis são revolução.

Ainda tá pouco. Meu sonho mesmo é o dia que funkeiro bissexual vai se assumir e as pessoas não vão ficar achando que o cara é gay, que funkeiro bi vai ter sua sexualidade respeitada.  Que as pessoas vão entender que homem pode SIM gostar de homem, de mulher, de pessoas no geral e que isso não tem problema nenhum e que inclusive ele pode ser funkeiro!

Ainda tá pouco. Meu sonho mesmo é o dia que funkeira bi não vai ter sua sexualidade super fetichizada por homem,  que homem ver nossos clipes, nossas danças e entender que aquilo ali a gente faz porque a gente ama e não por ele, que nossa bissexualidade não gira em torno de desejo de homem não e sim dos nossos desejos. Se nós, bissexuais quisermos ser monogâmicas, nós vamos ser, se não quisermos ser monogâmicas, não seremos, se quisermos fazer ménage, nós vamos fazer, se não quisermos NÃO VAMOS FAZER e isso não diminui nosso caráter nem torna nossa bissexualidade indigna, até porque boa parte dos homens héteros (e quem é do funk sabe muito bem disso) adora uma putaria e ninguém discrimina homem por ser hétero, né.

Ainda tá pouco. Meu sonho mesmo é o dia que a comunidade LGBT vai ter sua vida, seus direitos, seus corpos respeitados. E que no funk, não seja diferente. Que nós LGBTs funkeiros possamos mostrar nossa cara, cantar nossas músicas, falar DOS NOSSOS DESEJOS, DAS NOSSAS IDENTIDADES dentro do movimento funk (e fora também).

Funk, te quero colorido.

Te quero da cor do arco-íris.

Te quero sem preconceitos.

Sem violência.

Sem fetichização.

Quero que a diversidade seja também uma ostentação!

Te quero colorido e até cheio de purpurina.

Te quero com respeito pelos mano, pelas mona, pelas mina.

Em defesa do funk

Eu to começando a achar que deve ser conspiração
Violência de gênero na periferia, culpa do funk putaria
Drogas, crminalização, culpa do funk proibidão
Consumismo, gastos por compulsão, influência do funk ostentação
Abre teu olho, parça
Repara nos outros estilos de música e vê se neles também não tem
apologia, putaria, machismo
até mesmo consumismo
você acha que hip hop é catecismo?
entrou no sarau e no hip hop logo serão salvos
mano , não seja assim otário
funk é sim produção cultural autêntica da periferia
e se você acha que antigamente era melhorzinho
larga de ser hipócrita que James Brown cantava tanta pornografia e sexismo quanto o MC Magrinho
o funk tem seus problemas e precisa melhorar
mas se tu acha que funkeiro tudo é alienado e consumista sem noção
você é só mais um bico zé povinhando a nossa movimentação
se tu não sabe o significado e qual o corre
pega o beco com seu falso-moralismo e não embaça
funk é cultura sim, vai ter que engolir essa, parça!
orgulho, alegria, identidade
funk também é produto da comunidade
seja funk passinho, ostentação, putaria ou até apologia
seja o paulista ou carioca
da baixada ou da capital
o funk é nosso patrimônio cultural
tem suas treta, seus problema a se resolver
não vai ser com a sua crítica hipócrita e moralista que isso vai acontecer
o funk tá vivão, vivendo e só tende a crescer
pro incomodo da burguesia racista e surpresa: de você
poxa irmão, sabia que esse mesmo preconceito o samba também já sofreu?
sua memória é tão curta assim, já esqueceu?
o samba um dia foi considerado música de bandido e de puta
olha que coincidência depois de tanta luta
outro som de preto de favelado sendo estigmatizado
e pior: o próprio povo da perifa sai malhando
mas enquanto ceis falam mal o funk cresce, o funk sobe
geral tá embrasando no passinho do romano
quanto mais falam mal, mais aumenta nosso ibope
pra ser mulher política consciente , eu não preciso largar meu funk não
enquanto ceis falam mal
o funk cresce e vai ganhando o mundão
luto contra o machismo dentro e fora do funk
sem perder meu rebolado
porque se eu não puder descer até o chão
nem de longe é a minha revolução.

Às Promotoras Legais Populares

Em meio a todas as desigualdades do dia-a-dia

De toda a violência, culpabilização

Do machismo e sua reprodução,

Surgiram mulheres batendo de frente

Fazendo contestação

No espaço público e no privado

Vida pessoal se misturou com luta política

Patriarcado ainda instaurado na sala de estar

Metemo o pé na porta e viemo fazer a crítica

Senhores, fiquem a vontade pra se incomodar

No sofá dessa sala,

Nós mulheres também vamos sentar!

Não pense que somos poucas, nós somos muitas

Não vamos deixar nenhuma pra trás nem sozinha

Entraremos na sala, ocuparemos as ruas

Pra surpresa de quem acha que nosso lugar é na cozinha

Luta, combate ativo, movimento feminista

Trabalho de base, união e consciência

Promotora Legal Popular

É mulheres na prática da resistência

Nós construímos nossa própria história

Nunca mais seremos esquecidas

Amelinha Teles e tantas outras combativas mulheres

São nossas inspirações de vida

Luta por respeito, políticas públicas

Validação de nossos direitos

Lei Maria da Penha fazer valer

Mulheres na cultura, na arte, na educação

Direitos Humanos e uma nova sociedade

É possível se fazer

Formação de base e mulheres organizadas

Se é pra lutar por igualdade

Nenhuma mulher vai ficar

Nenhum degrau abaixo da escada

Essa luta é grande

E que cada uma fique atenta

Com e pelas mulheres LBT

Sem esquecer nenhuma letra!

Respeito à cultura, à pessoa, ao espaço de fala

Das mulheres indígenas e negras!

Lutar por todas as mulheres sem exceção

Sem xenofobia

Sem lesbofobia

Sem gordofobia

Sem racismo

Sem bifobia

Sem capacitismo

Sem transofobia

Cada mulher tem sua vivência, sua identidade

Respeito às mulheres em toda a sua diversidade

Sem apagamento, sem silenciamento nem discriminação

Ser PLP: compromisso com a mulher

Com a nossa emancipação!

Patriarcado tá tremendo de medo

Ali sentado na sala de estar

Porque já metemo o pé na porta e agora vamo entrar!

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Guerreira doce

Doce, doce inspiração
Ela é pequenininha de tamanho
Mas com suas ideia, suas atitude é capaz de atravessar o mundão
Mulher preta, guerreira
Amiga confidente
Sintonia ancestral
Minha e dessa sapatão combatente
Falamo pouco
Mas a gente se entende
Seu jeito, alguns julgam como arrogante
O mesmo eu chamo de timidez apaixonante
Esse jeito de recitar
Foi ela que me “ensinou”
Desculpa a falta de originalidade na expressão
Mas você de verdade me inspirou
Poesia anti-patriarcado, anti-estética, anti-branquitude
Eu já sabia
Mas você ainda mais me estimulou
Na arte a gente tem dessas
De ter inspiração
E essa doce combativa mina
Foi a que inspirou meu coração
Obrigada, preta
Por todas as ideia trocada
Por toda a força que me dá
Nas palavra declamada
Obrigada, preta
Por ter me mostrado esse caminho combatente
A cada ideia trocada
Fico mais consciente
Cê diz que aprende comigo
Eu que aprendo com você
Arte, resistência, sentimento, ancestralidade
Cada conversa eu nunca vou esquecer
Sou tua fã admiradora
E fico feliz em te ter como amiga
E poetisa inspiradora
Já faz um tempo que eu tava encucada sem saber entender
Mas finalmente essa tal de poesia
Me permitiu explicar o que sinto por você
Tomara que não acabe
Tomara que nunca quebre
Que mãe Nanã e mãe Oxum
Nossa amizade preserve
Obrigada preta, ídola, inspiração, combativa, amiga
Te considero – e te quero – até umas hora,
Guerreira doce, Formiga.

Não é questão de pigmentação

Morena, mulata, cravo e canela, café-com-leite, da cor do pecado, bronzeada, dourada, parda, mestiça…
… Senhor!
Não tem uma definição um pouco mais precisa?
Não vem com esse papo de que somos todos iguais, todos seres humanos independente da raça e da cor
Isso é conversa pra apagar minhas raízes
Pra não dar a minha etnia o seu devido valor
Todos são iguais, mas o cabelo bonito é o liso
O olho bonito é o verde, azul
A religião NORMAL é a cristã
Ridicularizam minha crença em Obá, Oxum, Iansã
E querem que eu pense que todos devem ser olhados da mesma forma independente da raça e da cor?
Passei muito tempo aceitando o “morena” como classificação
Mas procurei meu passado
Deixei a química, o alisamento de lado
Olhei pra minha classe social
Comecei a perceber que aquelas brincadeiras na escola era discriminação racial
Que queriam me embranquecer
Apagar os últimos vestígios africanos que sobraram no meu corpo, fruto de uma relação inter-racial
Apagar os vestígios que convém apagar
Porque das minhas curvas, minhas nádegas, meus quadris, meus seios… Homem branco ainda quer desfrutar!
Meu corpo miscigenado é a carne mais consumida sexualmente no mercado
É a imagem da mulher negra ainda explorada, fetichizada, hiperssexualizada
E com a pele mais clara
Mais tolerável, mais fácil de aceitar
A imagem que eu vejo refletida no espelho
É a representação estética perfeita dessa sociedade racista
Que foi miscigenada através do estupro da mulher preta
Ah, isso não se fala na TV!
E através de uma ideologia eurocêntrica, elitista
Tentaram embranquecer o povo afro
Apagar, aniquilar, esquecer!
Me roubaram a melanina!
Minha pele é clara, mas restaram alguns traços
Traços estes que por mim serão preservados, potencializados, valorizados
Tentaram me embranquecer, mas não é tão fácil assim
Negro vive, negro ama, negro grita dentro de mim!
Muitos irmãos olham pra minha cor e não me consideram preta
Também pudera!
Ter pele escura no mundão é outra treta!
Mas branco NENHUM me considera branca
Pro branco eu morena, mulata, parda
Mas igual a ele eu não sou
Sou qualquer patifaria que inventaram pra esquecer da minha cor
O IBGE me classifica como parda
Ora senhor, pardo que eu saiba… é papel.
Não apague minha identidade, não esquecerei o passado e o presente cruel
Não esquecerei a opressão violenta que embranquece e esquece da comunidade negra
Para de falar dessa porra de democracia racial
Você sabe senhor, a gente não é igual!
Pele clara
Cabelo crespo
Minha história ninguém mais apaga!
Acha que essa crise de identidade
Essa sensação de ser um ser indefinido
Um animal híbrido não é discriminação racial?
Brancos não me veem como branca
Mas querem meu corpo em suas camas
Isso é normal?
Mas eu não abaixo a cabeça mais não
Aprendi com Steve Biko que ser negro não é questão de pigmentação
Pra todos os pretos e pretas eu digo: irmãos, preta eu também sou!
Pros brancos, recado:
Essa falsa miscigenação como tentativa de apagar meus traços, minha história…
FRACASSOU!
Nem parda, nem morena, nem mulata!
Mulher preta
Tô na luta pra combater esse embranquecimento físico e cultural
Na luta pra combater todas essas crises de identidade que plantaram nas nossas mentes
Eles querem nos confundir, nos dividir
Falar que discriminação é coisa da cabeça da gente
Que é difícil saber quem realmente é negro no Brasil
Mas o racismo sabe quem é negro
A polícia sabe, o bairro rico, o cano do fuzil
Eu to nessa luta!
Só não dá pra ficar sozinha, temos que lutar juntos
Fazer a resistência.
Eu sou negra, irmãos!
Disso eu já tenho consciência.

O preto agora quer fazer Direito

Ele resolveu que quer fazer Direito

Ele resolveu que quer fazer em universidade pública

Especificamente na USP

Ele resolveu dizer que ali é nosso lugar por direito

O preto resolveu que vai fazer Direito

Preto, você nem comeu direito

Nem dormiu direito

Nem estudou direito… tava mó cansado à noite na escola

Porque de dia teve que trabalhar direito

Aos 24 anos

Terminando o ensino médio na modalidade EJA

Muitos apontam o dedo em sua cara e diz: tá aí ainda porque não fez direito!

É fácil julgar sem saber direito

Mas o preto quer direitos!

Mas não basta só direitos

O preto quer nossos direitos sendo cumpridos

Respeitados, legitimados, assumidos!

Tá disposto a lutar

Passar por toda aquela etapa de pré-vestibular

E da 1° fase

Será que vai passar?

E depois tem 2° fase

Como vai ficar?

Por quantos anos vai tentar?

Vão dizer que depende do seu esforço, da sua capacidade

Que cotas raciais é vitimismo

Mas o preto sabe que a gente tá em posição de desigualdade!

Sabe que essa gente opressora legitima o racismo

A gente carrega heranças fortes daquela época que não foi embora direito

A gente ainda sente a dor do couro do chicote, da desumanização

Do discriminação, da miséria

De lá pra cá não teve ascensão

Mas muita gente não enxerga isso direito

Mas o preto não baixou a guarda

E quer conquistar nossos direitos

Cadê nos bancos dessa universidade alunos negros?

Quantos pretos tem na USP?

E no Direito da USP?

Quem tem direito à USP?

Quem deveria ter direito à USP?

Mas pra isso ele vai brigar

Já falou que por mais que demore, é lá que ele um dia ele vai estar

E ele vai fazer barulho direito!

Ele vai incomodar direito!

Ele quer mostrar o poder que tem o preto!

Vai mostrar que preto tem que ter direito

Vai gritar pra todo mundo que não pode mais ficar desse jeito

A gente quer subir, se empoderar, ter respeito!

Cuidado, doutor!

Pode ficar com medo

Se o vida loka é perigoso assim agora

Imagina quando graduar

Ninguém segura o preto

Você nem imagina onde ele é capaz de chegar

Cuidado, doutor!

Pode começar a ficar com medo.

O preto vai fazer Direito

A gente vai conquistar o lugar que é nosso por direito

Pode começar a ficar com medo

Vamo empretecer esses bancos

A gente vai quebrar as estruturas do seu direito branco

Cuidado, doutor

Tá com medo?

Pode continuar tremendo

O preto agora, vai fazer Direito

Sereia era bi, era do axé… e era branca

A Rede Globo exibiu a microssérie O Canto da Sereia no início de 2013, dirigida por José Luiz Villamarim e Ricardo Waddington. No dia 06 de janeiro de 2015, a emissora fez uma exibição adaptada em forma de longa-metragem. A microssérie é uma adaptação do livro homônimo de Nelson Motta, publicado em 2002.

Isis Valverde em O Canto da Sereia

A protagonista da série, Sereia (Isis Valverde) era bissexual, com uma aparente preferência por homens, escondia sua relação homoafetiva com sua empresária Mara Moreira (Camila Morgado), era filha de Iemanjá, frequentava casa de Candomblé, passava com a mãe de santo… Os outros personagens baianos também tinham fortes ligações com os Orixás, fazendo referência ao Candomblé em seus diálogos cotidianos, etc…

A série traz um aspecto que infelizmente é muito comum na vida das pessoas bissexuais: anular sua sexualidade e se comportar como monossexual, aparentando socialmente gostar de apenas um gênero. Para mulheres bissexuais, numa sociedade heteronormativa, esse gênero que socialmente assumimos a gostar, geralmente é o masculino, como ocorreu no caso de Sereia. Mesmo ela parecendo ser livre, dona de si. O que faz com que a sua relação com a empresária fique pra escanteio, ali escondidinha… por debaixo dos panos, ficando no “armário”. Havia também o personagem Só Love, pessoa com trejeitos afeminados, que gostava de se vestir de mulher e que era lida como homem bissexual na série.

Bom, finalmente a mídia hegemônica mostrou alguma vivência bissexual, que na própria série foi tratada como tal, pois vivências bissexuais têm em várias novelas, como o papel da Clara (Giovana Antonelli) na novela Em Família e do Claudio (José Mayer) de Império, mas ambos não foram chamados de “bissexuais”. No caso de Clara, que assumiu uma relação homoafetiva e passou a ser lida como lésbica, mas continuou sentindo atração por homem.

É claro que bissexualidade teve suas problemáticas na forma que foi mostrada em O Canto da Sereia: teve cenas de sexo explícito entre gêneros opostos, mas nas relações homoafetivas foram cortadas até cenas de beijos. A sexualidade das mulheres era mostrada na série como forma de agradar o público masculino: com muita exposição do corpo feminino, cheia de male gaze*. A mídia continua com seus tabus, embora queira forjar que eles estão sendo quebrados, continua lesbofóbica, bifóbica e machista, fingindo ser moderninha.

E novamente nós, mulheres e homens negros bissexuais não fomos representados… e que ironia: em um romance baiano, na cidade de Salvador, a cidade com maior população negra fora da África, onde a cultura é majoritariamente afro… A mulher bissexual da série era branca, assim como boa parte das stars mais pops do axé… Só Love também era branco.

Sereia, como já foi dito, uma mulher branca, se vestia como roupas associadas à estética das sereias e sua imagem com tais roupas e o cabelo em cima do colo, associava-se à imagem de Iemanjá, uma deusa do panteão africano, originariamente negra, que foi embranquecida pela cultura racista do Brasil. A mãe de santo Marina também era branca.

Não estou dizendo que brancos não podem ser adeptos das religiões de matriz afro. É claro que podem, nem estou questionando a qualidade da atuação de Isis Valverde, mas é bastante racista e apropriador retratarem a cultura afro com brancos a protagonizando. Tinha alguns negros na série sim, negros estes, coadjuvantes apenas, ou melhor, apenas participações especiais.

No ano passado, foi exibida a série chamada Sexo e as Nega pra falar de “negras quentes e boas de cama”, mas em uma série onde há uma cantora de Axé divando, cheia de sucesso, bissexual, filha de Iemanjá e baiana… ela é branca. Por que nos sobram sempre os mesmos papéis que reforçam estereótipos racistas? Por que quando retratam a cultura negra, colocam atores brancos para protagonizá-la? A mídia hegemônica (nesse caso, a Rede Globo) é racista, apagadora e que do alto de seus privilégios brancos fecha facilmente com a ideia de “Brasil, um país mestiço” e com a falsa democracia racial do país.

A bissexualidade pouco passa na TV, mal se é discutida e quando finalmente se vê uma série na TV brasileira falando dessa questão, como de praxe, ela não só colocou personagens bissexuais brancos, mas também embranqueceu a cultura negra. Ainda temos muito pra conquistar em termos de representatividade nos meios artísticos. Se o Movimento Bi quer representavidade bi na mídia, pra nós mulheres bissexuais negras, somente isso não basta, nós não vamos ser representadas por bissexuais brancas, nossas demandas são diferentes, nossa etnia é diferente, nossos traços são diferentes e a discriminação que sofremos é mais pesada também. Iemanjá é negra, nossa sereia é negra e não admitimos nem vamos deixar passar embranquecimento de nossa cultura em espaço nenhum, nem na telinha do plimplim.

Odo-Iyá!

Iemanjá

*male-gaze: significa em sua tradução literal “olhar masculino”, é um termo criado por Laura Mulvey em seu ensaio “Prazer visual e cinema de narrativa” para explicar como o cinema mostra o corpo da mulher colocando o público dentro da perspectiva de um homem heterossexual, as personagens femininas tem seus corpos, seus gestos sexualizados, a câmera foca em partes do corpo feminino que são consideradas sexuais. O male-gaze é muito comum até mesmo nas animações infantis.